CAPÍTULO 3

Ciúmes…

Victor só podia estar de brincadeira… Mas e se ele estivesse certo?

Óbvio que ele não está!

Guerrard estava deitado no sofá surrado do apartamento inóspito que chamava de “casa”. Ele olhava fixamente para o teto, remoendo os últimos acontecimentos, se contendo para não sair destruindo o pouco que tinha restado naquele lugar. Mas era inevitável a irritação que era se lembrar da afronta de Lúcia e as teorias absurdas de Victor. Parecia que os dois haviam se unido para tirá-lo do sério.

No entanto, ficar ali parado estava sendo ainda mais irritante do que seus pensamentos. Guerrard odiava se sentir entediado. Logo, para fugir daquela situação, ele pensou em ir ver como estava o desespero da garota que lhe negara algo tão simples como um beijo.

Qual é o problema dela?

Era ridícula aquela situação. E talvez fosse mais ridícula a forma como ele reagiu a tudo aquilo. Mas Guerrard não dava a mínima para o que pudesse parecer. Aquele maldito vampiro podia acreditar no que quisesse, mas se o demônio não acreditava, nada poderia ser feito a respeito enquanto ELE não mudasse de ideia. E do que dependesse dele, nunca mudaria.

Guerrard então se concentrou para encontrá-la.

Isolado e quente… Um cheiro forte de álcool, iodo e produtos de limpeza… Paredes brancas e uma cama cheia de lençóis… Ele então viu em sua mente a imagem de uma mulher de cabelos negros e olhos cor de âmbar conversando com uma pessoa de jaleco… Parecia um médico.

Um hospital? O que terá acontecido?

Ao se jogar diretamente para aquele lugar através da Umbra, Guerrard ainda pode pegar um pouco do diálogo da mulher e o médico. Se tratava de Suelen, a prima de Lúcia, e ela estava preocupada com os ataques febris que a prima vem tendo desde antes do Natal.

Não foi preciso muito esforço para que o demônio assimilasse os surtos mencionados pela mulher, aos eventos em que ele havia interagido de forma mais “intensa“ com a garota imaculada. Aparentemente, ele era uma influência muito negativa para aquela alma tão pura.

Mas como ele poderia prever isso, ou mesmo, o que ele podia fazer a respeito?

Não era a intenção dele colocar uma marca amaldiçoada nela, na verdade, se ela nunca lhe desse motivos, ele nem se lembraria que Victor lhe havia ensinado aquele tipo de coisa. A culpa era dela. Ela que sofresse com as consequências. A ele apenas lhe restava rir dos esforços inúteis de tentarem descobrir o que a fazia passar mal.

Assim que Suelen e o médico saiu do quarto, Guerrard decidiu se sentar ao lado de Lúcia, para esperar ela acordar. Era bem verdade que ele podia acordá-la naquele instante, o que a importunaria muito mais, porém, naquele momento ele não sentia pressa alguma de fazer algo, tanto menos de partir. A alternativa era o tédio, coisa que nunca sentia ao estar com Lúcia, logo, ficar com ela era realmente mais interessante que qualquer outra coisa que pudesse estar fazendo.

No entanto, o que ouvia se passar na mente dela era um pouco perturbador. Ela estava reprisando os eventos que resultaram em sua ida ao hospital. A dor, o medo e o desespero inundavam seus sonhos e podiam ser sentidos nitidamente por Guerrard, que não sabia como lidar com aquilo. Tudo o que estava sentindo através dela lhe era muito estranho e confuso, basicamente ele não sabia o que fazer, e se sentir perdido daquela forma estava começando a irritá-lo.

Um suave gemido anunciou que ela estava despertando. Imediatamente Guerrard afastou da própria mente os pensamentos dela, para se concentrar nos próprios, que eram muito mais coerentes no ponto de vista dele.

— Olá! – cumprimentou Guerrard abrindo um sorriso meio sínico – Pensei que nunca mais fosse acordar hoje.

— O que estou fazendo aqui? – Lúcia parecia confusa.

— Você passou mal e sua prima a trouxe para o hospital, para um médico verificar o porquê de você está assim. – disse o demônio rindo – Mal sabem eles que não vão encontrar nada.

— O que?

— Isso não deveria acontecer. – disse Guerrard de forma pensativa – Mas parece que sua alma de imaculada não tem reagido muito bem ao nosso pacto.

— O que? É você que está fazendo isso comigo?

— Não! Presta atenção no que eu falo. – respondeu irritado – Como eu disse e você ignorou. Isso não deveria estar acontecendo. Mas por algum motivo, sua alma está reagindo mal ao pacto que fez comigo, aí no fim das contas, você fica tendo essas crises.

— Mas vai ser sempre assim? – perguntou Lúcia com preocupação na voz.

Guerrard pensou por um instante. Ele não tinha certeza daquela resposta. Na verdade, toda aquela situação era inédita, não só para ele, mas para qualquer outro ser infernal, por isso era difícil saber até o porquê daquilo estar acontecendo com ela, logo…

— Espero que não. Você vai ser uma inútil se ficar passando mal assim sempre. – respondeu Guerrard um tanto disperso por ainda está pensando no assunto – Talvez essa seja a última vez. – ele tamborilou o queixo com os dedos de forma pensativa – Deve ser uma reação à marca que coloquei em você.

Fez-se silêncio por alguns segundo, enquanto Lúcia relembrava tudo que havia ocorrido desde a noite anterior, ao incidente daquela manhã.

— O que fez comigo?

Sério!? Ela sabia o que tinha acontecido, foi rápida em perceber que não poderia tocar em nenhum outro homem. Por que raios precisava de uma confirmação?

— Você já sabe o que eu fiz. Não se faça de idiota. – respondeu Guerrard irritado.

— Então… Essa marca, serve para…

— Te fazer sofrer. – ele ficou encarando a cara de espanto de Lúcia – Você conseguiu me irritar ontem. Apenas lhe dei o troco.

— Mas, mas…

— Não me venha com esses “mas”. Já tá feito e não vou desfazer até que mereça.

— Merecer? – Lúcia não entendia o que o demônio queria dizer com aquilo.

— Sabe minha condição.

Lúcia olhou para Guerrard com cara de descrente. Sua mente fervilhava em dúvidas e indignações, por tudo que estava acontecendo agora ser resultado da negação de um beijo. Um simples beijo! Era sério que o demônio estava fazendo todo aquele estardalhaço, por conta de um beijo?

— Eu ouvi isso.

— Pare de ouvir meus pensamentos! – gritou Lúcia colocou as mãos na cabeça.

Guerrard riu da reação da moça. Como se tapar os ouvidos fosse impedi-lo…

— Sinto muito guria. Mas isso vem incluso no pacote.

— Como é?! – ela o encarou confusa.

— Ontem me fez várias perguntas. — começou Guerrard se recostando no assento em que estava – Tá aqui algumas respostas. Me dando poder sobre seu corpo, alguns canais de ligação foram feitos para que eu tenha fácil acesso a você. Posso ouvir seus pensamentos. Sei sempre onde está, e inclusive, posso ir a qualquer lugar em que esteja, ou por onde já tenha passado. – o ele abriu um sorriso – Legal né?

Obviamente que ela não gostou de saber aquilo. Os olhos arregalados e a cara de espanto e descrença, eram a prova de que ela não tinha ideia da extensão do poder sobre ela que havia dado ao demônio, e era claro que ela não estava contente com tudo aquilo.

— Ontem não queria me responder essas coisas. Por que o está fazendo isso agora?

Por que?

Honestamente era uma boa pergunta. Mas como Guerrard não parava muito para divagar o motivo pelo qual fazia algumas coisas que fazia, o motivo obvio que lhe veio claro na mente fora:

— Tédio.

Afinal, foi por isso que ele foi atrás dela. Não?

— Como?

— Eu estava sem fazer nada. Decidi vir te importunar um pouco. Ver como estava, sentindo dor ao tocar qualquer homem que não seja eu. Confesso que não esperava encontrá-la hospitalizada. – Guerrard olhava para o quarto, ele realmente não esperava encontrá-la ali – Mas pelo menos aqui temos um pouco de privacidade. Que nem no seu quarto. – ele sorriu para ela, com o seu característico sorriso felino.

Normalmente Guerrard sorria daquela forma para deixar Lúcia insegura e nervosa. Sentir a mente dela se desestabilizar por conta do medo de não saber as intenções do demônio, dava a ele uma sutil sensação de controle que o satisfazia. Mas naquele momento, aquela sensação não veio, pois ao invés de ter medo, ao vê-lo sorrir daquela forma, Lúcia sentiu… Prazer?

— Oi?! – exclamou Guerrard sem conseguir conter sua surpresa.

Mas ela não teve tempo de falar ou de pensar em outra coisa. Sua cabeça girou e ela voltou a desmaiar, recostando a cabeça no travesseiro da cama em que estava.

Guerrard continuou olhando para a moça desmaiada. Tinha algo diferente nela, mas ele não sabia o que. Era uma sensação estranha, como se a aura de pureza que sua alma imaculada irradiava, estivesse mais intensa e lhe provocasse uma sensação de… Atração!

Sem pensar muito no que fazia, Guerrard se levantou da cadeira e se aproximou de Lúcia, como se a analisasse.

— Você está diferente. – murmurou ele olhando para o corpo dela – Mas o que é?

Guerrard analisava Lúcia atentamente, se aproximando ainda mais dela para isso. Sua respiração estava fraca, porém suave, soando como uma brisa tímida de primavera. Ela era tão linda… Serena… Pura…

Sem se dar conta, Guerrard estendeu a mão e passou por uma mecha de cabelo que estava caindo sobre o rosto dela. Com isso ele pode sentir um formigamento aprazível em sua pele, e ao remover a mecha de cabelo, sua atenção se caiu sobre os lábios de Lúcia.

Delicados… Rosados… Deviam ser macios e quentes…

Uma vontade enorme de tocar aqueles lábios com os próprios, fez com que mais partes do corpo de Guerrard se aquecesse e reagisse aquele desejo inédito. Porém, ao perceber o que estava acontecendo, ele se sentiu extremamente patético, por se deixar levar por aquele… Devaneio?

Ridículo!

— Nah! Aquele merdinha do Victor não pode estar certo… – resmungou ele, se apressando para sair pela porta do quarto.

Por um segundo ele ficou parado diante da porta recém fechada. Pensando na possibilidade de entrar novamente…

Mas, mais uma vez a sensação de estar sendo patético o tomou e ele se virou irritado para partir, mas se deparou com a última pessoa que desejava ver naquele dia. Principalmente naquele lugar, com Lúcia à uma porta de distância…

Fala sério!?

— O que você está fazendo aqui? — era Ector, o idiota que beijou Lúcia.

— O que VOCÊ faz aqui? – retrucou Guerrard irritado.

— Sou colega de trabalho de Lúcia, vim ver como ela está. E você? – perguntou Ector com certa desconfiança.

— Não é da sua conta! – respondeu rispidamente.

E não é da sua conta MESMO!

Guerrard voltou a seguir seu caminho pelo corredor. Porém, Ector segurou o seu braço e ficou o encarando. Tinha raiva em seu olhar, mas além disso, aquele cara irritante parecia procurar alguma coisa nele.

Que idiota!

Ambos trocaram olhares furiosos por alguns segundos que pareceram horas, mas nada disseram nesse meio tempo. Até que Guerrard perdeu a paciência e puxou seu braço de volta, encarando Ector com um olhar extremamente furioso.

— Qual é a sua cara?! Deixa de ser otário! – Guerrard então seguiu pelo corredor para sair do hospital.

Mas… Por que estava saindo pela porta?

 

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