Olhei para o céu noturno e vi muitas estrelas brilhantes. Um floco de neve caiu na minha testa.
— Como era possível se estávamos em pleno verão? — pensei, inconformado.
Olhei para meus pés e vi que estavam cobertos de neve. Não sentia frio, mas meu corpo estava imóvel, como se estivesse totalmente congelado. Tentei desesperadamente me mexer. Caí com o corpo ereto. Uma voz bem de longe tentava me dizer algo. Me esforcei para tentar entender.
— Levanta, ROGER! O CAFÉ ESTÁ NA MESA! — gritou Clara.
— Droga! Não ouvi meu DS-Tab Phone despertando de novo!
Levantei assustado e lembrei que tinha prova de História. Me arrumei às pressas e desci as escadas pulando de quatro em quatro degraus. Cheguei à cozinha e lá estava meu irmão sentado à mesa e Clara terminando de pôr o café.
— LEVANTA, ROGER! O CAFÉ ESTÁ NA MESA! — gritou Clara, novamente.
— Eu já estou de pé. Bom dia, Clara! E bom dia! — disse, olhando para meu irmão.
Ele me ignorou, levantou e saiu sem terminar seu café. Romeo não falava comigo há uns meses. Desde que ele chegou vivemos nos desentendendo. Talvez a raiva dele seja porque eu tive tudo desde o começo e ele não teve o mesmo privilégio. Aqueles cabelos loiros, olhos azuis sérios, sempre se achando mais bonito do que eu.
— Convencido! — pensei.
Eu que era mais bonito e mais inteligente, mesmo nós sendo gêmeos, mas esses não seriam motivos para não me dirigir à palavra, a não ser pelo fato da mamãe…
— Roger, vá logo, está atrasado! — disse Clara.
— Já estou indo!
— E mais uma coisa: amanhã eu…
— Ok, fui!
Morávamos na Philadelphia, Pennsylvania. Durante a semana eu fazia o mesmo percurso pela manhã. Caminhava alguns quarteirões até à escola, quase sempre atrasado. Tentei passar despercebido, mas…
— Sr. Stan, está atrasado mais uma vez.
— Eu sei Sr. T. Me desculpe.
— Sem desculpas! Se chegar mais uma vez atrasado essa semana, terá muitas atividades extras nas férias de verão.
O Sr. T. era o monitor de alunos da escola. Ele era muito obcecado pelo trabalho e tinha uma careca que refletia a luz do sol em nosso rosto. Além disso, seu olhar sério e desconfiado deixava com medo as pessoas que passavam por ele, mas achava que isso era frustração por não conseguir realizar seu sonho de ter uma banda de rock.
Assim que entrei na sala de aula, a professora interrompeu o que explicava no quadro digital. Todos os alunos pararam e dirigiram seus olhares para mim, menos meu irmão que continuou concentrado nos comentários sobre a prova que seria aplicada, que estava na imensa tela digital.
— Roger, pegue na mesa seu DS-Tab SchoolBook para realizar sua prova e sente-se! Vou terminar de passar as instruções para realização da avaliação e vocês terão quarenta minutos para terminar. Dúvidas? Fechem seus olhos e consultem a Deus!
A professora Sonia Carter era louca, na minha opinião. Com aquele cabelo preto escorrido e aquela franja dos anos 90. Ela devia se achar muito engraçada com suas piadas sem graça, mas não podia mentir, pois tirando suas loucuras e aparência, ela era uma excelente professora. Peguei o DS-Tab SB, olhei para prova e falei comigo mesmo.
— Dessa vez não vou me safar.
Meu irmão em dez minutos se levantou, entregou o Tab SB com a prova toda respondida e saiu.
— Como sempre ele se achando o sabe tudo — pensei, indignado.
Romeo sempre tirava as notas mais altas da turma.
— Atenção! O tempo está acabando.
— O quê? — imaginei.
Uma mensagem enorme surgiu no Tab SB notificando que havia acabado o tempo, me impedindo de continuar. Mal tinha respondido metade da prova. A professora Sonia pegou o Tab SB da minha mesa e riu do meu olhar de desespero. Fui o último a sair.
Fazia muito calor e resolvi parar em algum lugar para tomar algo bem gelado. Atravessei para o outro lado da rua e parei numa lanchonete. Pedi um milkshake de napolitano e fui andando de volta para casa. Tinha que estudar para a prova do dia seguinte e não voltar a fazer a mesma vergonha, deixando questões em branco. Minha vontade na verdade era de sair com os amigos para esquecer os problemas e responsabilidades, mas algo me dizia que tinha que ir para casa.
No caminho passou um carro preto bem devagar do meu lado e quando fui olhar para tentar ver através dos vidros escuros o motorista, ele pisou no acelerador e virou na esquina logo à frente. Achei meio estranho a atitude dele, mas continuei saboreando meu milkshake.
Chegando à porta de casa escutei um grito raivoso.
— ROGERRR!
Reconhecendo a voz e me lembrando do dia anterior, me virei e deparei com um olhar de fúria, mas ao mesmo tempo, um olhar que enfeitiçava qualquer marinheiro em alto mar, convidando-o a pular, mesmo que não soubesse nadar.
— O que houve? Esqueceu do que faríamos hoje?
— Não, meu anjo! Só me distraí com o péssimo dia que tive até agora — disse, tentando me desculpar e lembrar o que tinha que fazer com ela.
— Cadê seu Tab Phone? Liguei várias vezes, mandei várias mensagens e você nada de responder.
— Esqueci em casa. Acordei atrasado, você sabe como eu sou.
Mesmo Desirée furiosa comigo, eu não conseguia achá-la chata. Ela sempre me encantava com os seus olhos castanhos brilhantes e sedutores, seus cabelos encaracolados e leves como seda e sua pele morena e macia.
— Me dá esse milkshake, Roger! Vamos fazer o que tínhamos planejado!
Ela pegou o milkshake com uma das mãos e com a outra a minha mão. Seguimos um caminho sem que eu soubesse aonde nos levaria. Esperava lembrar antes de chegar aonde quer que fosse. No caminho encontramos com meu irmão em sentido contrário.
— Oi, Romeo! — disse Desirée.
— Oi, Desirée! — respondeu Romeo, sem graça.
Ele seguiu em disparada no sentido de casa e nós prosseguimos para o combinado. Chegamos a uma rua bem movimentada, cheias de lojas de roupas, brinquedos e restaurantes.
Logo à frente entramos numa cheia de joias, brincos de ouro e colares com pedras de diamantes. Desirée se aproximou da vitrine de alianças e logo minha memória foi voltando. Há quatro meses eu havia prometido a ela que um dia antes do seu aniversário compraria alianças, para que no seu dia a gente noivasse e, depois de dois anos, casaríamos. Eu devia estar louco quando disse isso para ela. Tínhamos apenas dezessete anos e nem havíamos entrado para a faculdade ainda. Havia muitas coisas que eu queria fazer antes. Curtir mais a vida sem assumir tantas responsabilidades.
Por um momento achei que ela havia me enfeitiçado só para aceitar tudo isso. Era uma situação complicada, mas não podia me esquecer.
— Amanhã é o aniversário dela — disse para mim mesmo, em pensamento, por várias vezes.
— Amor, é esse que eu quero — disse Desirée, animada.
— Tem certeza?
— Sim, com total certeza!
Eu, sem muita alternativa, comprei as alianças. Gastei metade das economias que estava reservando para curtir as férias de verão. Só de imaginar o quanto ela estava feliz, me doía o coração por não estar sentindo o mesmo.
Saímos da loja e seguimos de volta para casa. Eu ainda tinha que estudar, já que pretendia proporcionar uma vida confortável para Desirée no futuro. Parei novamente na mesma lanchonete, comprei mais um milkshake para ela e seguimos o caminho. Já perto de casa, muito pensativo, parei e disse:
— Desirée, espere!
— O que foi, Roger?
— Será que podemos dar um tempo para eu me preparar melhor?
— O quê?! — reclamou Desirée. — O que você quer dizer com isso?
— É que… acho que não estou preparado para assumir tantas responsabilidades.
— Você disse que seria amanhã! Me prometeu! Disse que era o que mais queria!
— Sim, meu anjo, só que…
Desirée jogou as alianças no chão e saiu correndo chorando. Eu, sem muita reação, peguei os anéis e fiquei observando-a correr sem ter coragem de ir atrás. Apertei as alianças com força, coloquei no bolso e fui para casa. Segui o meu caminho e quase na porta de casa, me deparei com Romeo me olhando furioso. Ele colocou a mão no meu peito.
— Você disse que iria se casar com ela!
— O que você tem a ver com minha vida? Não se intrometa, saia da minha frente!
— Deixe de ser irresponsável! Não a trate como seu brinquedo!
Romeo agarrou minha blusa e caímos no chão aos socos, mas logo um homem se aproximou e nos separou. Ele nos arrastou para porta de casa e tocou a campainha. Depois de alguns segundos:
— Com licença! Senhorita…?
— Clara. Como posso ajudar? — respondeu ela, assustada, olhando pra mim e meu irmão.
— Desculpe incomodar, sou vizinho de vocês e quando estava chegando vi esses dois se desentendendo na porta de casa.
— Romeo e Roger! Entrem agora! E… me desculpe o transtorno, senhor…?
— Wood.
— Obrigado, Sr. Wood!
— De nada. Até!
O Sr. Wood foi para sua casa. Clara fechou a porta, lançou um olhar severo em nossa direção e disse:
— O almoço está quase pronto. Vão tomar banho e venham almoçar.
Sem questionar muito, fomos e logo voltamos para comer. Sentei à mesa com Romeo, algo que dificilmente acontecia, e iniciamos nossa refeição que procedeu toda em silêncio.
No término do almoço meu irmão subiu para o seu quarto e eu fui para o meu. Mesmo sendo irmãos e gêmeos tínhamos quartos separados. Nunca entendia qual era a dele.
— Será que ele tinha ciúmes de sermos gêmeos e eu ser mais bonito que ele? — me questionava.
Deixei para lá e fui estudar. Peguei meu DS-Tab HomeBook e passei a tarde tentando revisar a matéria, mas estava difícil de me concentrar, algo me incomodava. Peguei meu DI-Eyes “Óculos de Realidade Aumentada” e tentei estudar de uma maneira mais interativa, mas logo abri um jogo e as horas passaram rapidamente.
No fim da tarde, já cansado de jogar, parei e olhei pela janela do quarto para ver o tempo. Ouvi um toque de mensagem. Pensei que era Desirée, mas quando vi, era uma mensagem de alguém não identificado que dizia.
Vá à caixa de correio.
[5:55 PM]
Fui até a janela e vi que na caixa de correio havia algo. Fiquei desconfiado e assustado. Desci correndo e fui até lá para ver o que era.
— Um pacote? Quem será que o deixou aqui? — pensei, curioso.
Não poderia ser o correio, pois não tinha identificação, selo, nada que mostrasse ser uma entrega. Olhei para o alto para ver se via algum drone de entrega, mas não vi nada. Entrei com o pacote e fui até a cozinha beber água.
— Ei, Roger! Se eu souber que você e seu irmão brigaram mais uma vez, vou ligar para seu pai.
— Está bem, Clara!
— Seu pai está viajando a trabalho. Quer deixar ele furioso e preocupado?
— Não.
— E vem comer. Já vou pôr a mesa.
— Não quero, vou estudar.
Peguei o pacote do correio, uns biscoitos escondidos e subi para o meu quarto. Quando estava subindo, Romeo estava descendo para comer como se fosse um menino bonzinho.
Chato! Ao passar por mim pelas escadas, esbarrei de ombro com ele e foi como se passasse cento e dez volts no meu corpo. Ambos olhamos um para o outro, mas ignoramos o que aconteceu. Segui até o quarto, coloquei o pacote sobre a mesa e puxei uma cadeira para me sentar.
— O que será que tem dentro? Será uma bomba?
Eu devia estar louco por trazer isso para dentro de casa, mas cansado por ter tido uma segunda-feira agitada e era só o início da semana ainda, não me importei com o que poderia acontecer e abri o pacote.
Era uma caixa de madeira. Com o coração acelerado cuidadosamente abri a tampa e olhei para dentro. Havia uma foto. Um homem fardado.
— Quem será ele? Me lembra alguém — pensei, sem entender nada. — Será que foi ele que deixou essa caixa aqui?
Coloquei a foto sobre a mesa e olhei de novo para dentro da caixa. Tinha algo parecido com um…
— Chaveiro?!
Analisei cuidadosamente o objeto. Tinha a forma de cubo de gelo. Achei bonito e suspeito.
Estranhamente o objeto começou a ficar gelado. Larguei ele na mesa ao lado da foto e olhei para caixa e ver se tinha mais alguma coisa. Bem no fundo tinha um papel dobrado. Peguei e nele havia algo escrito.
Um presente deixado para aqueles que herdaram o poder.
— Quem foi o louco que escreveu essas coisas? Será que foi o cara da foto?
Não liguei, pois tinha que estudar. No dia seguinte ainda teria prova.
Me lembrei do que havia acontecido entre mim e a Desirée. Esperei ela mandar alguma mensagem o dia todo, mas nem um emoji havia recebido. Deitado na cama, mais uma vez tentei estudar, mas logo parei. Comecei a acessar as redes sociais, ver alguns vídeos engraçados, comer uns biscoitos e jogar novamente o mesmo jogo de antes. Olhei para o relógio e já eram mais de onze da noite. Desesperadamente levantei, peguei o DS-Tab HB, abri a matéria de Química e comecei a ler.
— Capítulo 29. Ciclos biogeoquímicos. Os elementos químicos circulam na natureza ora participaannddooo de mo lé cu…
Estava ficando frio e cada vez mais frio, mas era agradável para mim.
— Romeo? O que você quer comigo? Eu não vou atrás de você!
De repente meu corpo parou de se mexer. Surgiu um espelho à minha frente e eu me via congelado. Não sentia dor. No reflexo, via Romeo e tentava chamá-lo, mas não conseguia falar. Desirée apareceu ao lado dele e os dois começaram a desaparecer.
— Estou sozinho! — disse, assustado.
O espelho sumiu e na minha frente, a uma pequena distância, via alguém. Não consegui ver quem era. Estava tentando me dizer algo, mas eu não escutava. Me esforcei para poder tentar entender.
— ROGERRR! O CAFÉ ESTÁ NA MESA.
Droga! Estava atrasado de novo. Maldito Tab P que não escuto despertando. Precisava de uma AI decente. Levantei desesperado, me aprontei em segundos, desci as escadas em dois pulos e na cozinha Clara já estava terminando de aprontar meu café.
— Pegue, Roger! E vá embora! Tome o café no caminho!
— Obrigado! Até!
Fui correndo para a escola torcendo para não encontrar o Sr. T. Cheguei, entrei como ninja e quase entrando na sala…
— Sr. Stan! Atrasado mais uma vez? Nem preciso dizer o que vai acontecer…
— Mas, Sr. T., hoje é o último dia e última prova.
— Realmente, bem lembrado. Então terá muitas atividades extracurriculares para fazer nas férias de verão.
— Mas, Sr. T…
— Sem mais! Vá para sua sala!
— Sim, Sr. T.
Entrei na sala e a prova já havia começado. Peguei o Tab SB na mesa, me sentei e logo em seguida Romeo se levantou, entregou o seu Tab SB com a prova toda respondida e saiu.
— Chato!
Como sempre se sentindo o cara. Tentei me concentrar e comecei respondendo algumas questões, mas fui interrompido pela professora:
— Por pouco você não perde a prova. Vai precisar de sorte!
Olhei para a professora Elizabeth Collins e me mantive calado imaginando as diversas respostas que poderia ter dado. Até que eu estava confiante. De alguma forma eu sabia as respostas. Não sabia o porquê. Achei que era por causa de um jogo de aventura e enigmas que envolvia muito desses assuntos. Terminei, entreguei a prova e saí. Novamente fui o último, mas muito confiante. Saí da escola pensando em Desirée.
— Como será que ela está? — pensei, preocupado.
Eu fui muito duro com ela e devia ter sido mais maduro e responsável. Olhei meu Tab P para ver se tinha alguma chamada perdida ou mensagens dela, mas nada encontrei. Desirée me perturbava com muitas mensagens carinhosas, mas, desde o dia anterior que eu não recebia nada dela. Precisava entrar em contato, ao menos enviar uma mensagem de parabéns, pois afinal hoje era o aniversário dela. Estava muito envergonhado com o que tinha feito ontem e não tinha coragem nem de mandar um simples emoji.
Caminhei para casa com uma cara de desânimo, como se tivesse trabalhado a semana toda para a apresentação de um projeto e que no final deu tudo errado. Ainda era terça-feira e amigos haviam me chamado para curtir o fim das provas. Eles sempre curtiam, não importava se era início ou fim de alguma coisa. O importante para eles era estar na moda e aproveitar a vida.
No caminho de volta novamente um carro preto passou por mim bem devagar, mas logo acelerou.
— Será que era o mesmo de ontem? — pensei.
Fiquei muito desconfiado e assustado. Imaginei se alguém estava tentando me sequestrar. Apertei o passo e fui para casa.
Ao chegar, notei algo estranho, não havia ninguém em casa.
— Estou cheio de fome, mas cadê a Clara?
Na porta da geladeira tinha um recado dela:
Meninos, fui para casa da minha mãe levar o seu remédio e volto só amanhã. Deixei comida no forno. É só esquentar. O que precisarem, me liguem.
Clara
Ela ainda cismava em escrever mensagens no papel. Seria bem mais prático enviar mensagem pelo Tab P.
— Fazer o que se Clara resiste a tecnologia? — pensei, inconformado.
Ainda era cedo para almoçar. Peguei um pacote de biscoito e fui para o quarto. Liguei o DS-Tab TV de 55” na parede para ver um filme ou série, mas ao mesmo tempo liguei meu DI-Eyes para jogar. No Tab TV estava passando noticiário, mas eu estava vidrado no jogo que estava quase finalizando. A fome começou a bater. Quando fui verificar as horas, vi que já era mais de meio-dia. Olhei para o pacote de biscoito que não tinha aberto, mas decidi descer e pegar o almoço para me alimentar melhor.
Esquentei a comida e subi para o meu quarto novamente. Enquanto comia observava o chaveiro em forma de cubo de gelo que parecia nunca derreter em cima da mesa. Várias coisas me vieram à mente. Lembrei da mensagem de origem desconhecida que recebi avisando dessa caixa no correio. Fiquei minutos tentando imaginar quem poderia ser o responsável por isso. Ninguém me vinha à mente. Essa situação já começava a me incomodar.
Terminei de almoçar, coloquei o Tab TV no mudo, que ainda passava repetidamente uma notícia sobre um incidente que aconteceu ontem, a uma base militar em Nevada, devido a um erro de exercício. Peguei o chaveiro e o olhei por minutos concentrado no silêncio do quarto, mas me assustei com o toque de uma chamada de voz do meu Tab P. Com o susto, deixei o chaveiro cair, mas nem me abaixei para pegar, porque fui correndo ver de quem era a chamada. Estava na esperança de ser Desirée, mas era:
— Vovô Charles!
Era uma surpresa, pois o vovô quase não entrava em contato com a gente. Eu fiquei segundos olhando o Tab P tentando imaginar porque ele estava ligando, mas logo em seguida toquei na tela e atendi:
— Olá! Vovô Charles, tudo bem com o senhor?
— Olá, Roger! Tudo bem, sim! Preciso que venha me ajudar com um trabalho. Você teria tempo?
— Sim, vovô. Com certeza! Mas que tipo de ajuda que o senhor quer?
— É só um trabalho que estou tendo dificuldade em realizar. Mandei para seu e-mail tudo que precisa para poder chegar até aqui em casa. Arrume suas coisas e venha. Obrigado!
— Ok, vovô! Mas uma pergunta: como o senhor conseguiu meu e-mail? O senhor não gosta desses meios de comunicação virtuais.
— Apenas venha e não se esqueça de trazer o gelo!
— Hã?! Mas de que o senhor está falando?
Quando percebi estava falando sozinho. Vovô Charles havia desligado e não ouviu minha pergunta.
— Será que o vovô estava falando do chaveiro? Será que foi ele que deixou a caixa no correio? Isso não seria possível — pensei, confuso.
Coisas estranhas estavam acontecendo e agora essa do vovô.
Peguei o chaveiro no chão e coloquei de volta na caixa de madeira em que ele veio. Peguei a foto do cara e o bilhete. Olhei por minutos a foto e reli a mensagem.
Um presente deixado para aqueles que herdaram o poder.
Estava tentando conectar os fatos, mas nada se encaixava. Tentei ser um Sherlock, mas não tinha jeito para isso. Coloquei a foto na caixa junto com o chaveiro e amassei o bilhete fazendo uma bola de papel. Mirei na lixeira bem no canto do quarto me imaginando como se estivesse numa partida de basquete tentando fazer uma cesta de três pontos. Mirei, mirei, arremessei e errei. Abaixei a cabeça de decepção e me joguei na cama.
Ouvi alguém entrando em casa. Imaginei que deveria ser o Romeo. Minha intuição se confirmou quando eu o vi pela minha porta que estava entreaberta. Ele entrou em seu quarto e bateu à dele. Levantei e fui arrumar minhas coisas para viajar. Peguei a foto e o chaveiro na caixa, os coloquei na cama e fui guardar na mochila minhas coisas.
Com tudo pronto, sentei na cama, peguei o chaveiro e fiquei imaginando se o vovô tinha alguma ligação com essas coisas. Comecei a lembrar da briga que tive com o idiota do meu irmão.
— Sempre se intrometendo na minha vida — pensei, indignado.
Por um segundo fiquei com muita raiva dele e de repente o chaveiro na minha mão começou a ficar realmente gelado. Me levantei assustado. O chaveiro começou a brilhar intensamente.
— O que é isso?!
O pequeno chaveiro se transformou em uma espécie de faca e seu formato de cubo de gelo ficou na ponta do cabo por onde segura. Sua lâmina parecia bem afiada, mas passando meu dedo sobre ela, cada vez com mais força, não me cortava e imaginei que talvez, ela fosse cega. Passei sua lâmina no colchão e ela cortou feito uma faca afiada cortando sushi.
Incrível! A faca liberava vapor, como se estivesse muito quente, mas na verdade estava gelada. Brinquei com ela como se fosse um espadachim, mas quando me dei conta vi que não estava brincando e que todos os movimentos que havia feito foram fantásticos, como se eu já soubesse manusear uma arma de combate corpo a corpo.
— O que está acontecendo comigo?
Larguei a faca em cima da cama assustado e logo depois ela voltou a se transformar num chaveiro em forma de cubo de gelo inofensivo. Mil coisas me vieram à mente, mas estava tão assustado que não conseguia processar nenhuma delas com coerência.
Decidi que tinha que descobrir o que estava acontecendo e alguma coisa me dizia que vovô poderia ter a resposta. Estava tão nervoso que peguei o meu Tab P da mochila e mandei uma mensagem para Desirée. Cuidadosamente peguei o chaveiro na cama, joguei na mochila e abri um lençol sobre o colchão. Apanhei a foto que havia caído no chão, coloquei na caixa, joguei no guarda-roupa e saí do quarto.
Peguei um pedaço de papel de um dos bloquinhos de recado da Clara, escrevi um bilhete e deixei na porta da geladeira. Já do lado de fora, ainda na porta de casa, respirei fundo tentando pôr na minha cabeça que tudo que estava acontecendo não eram coisas imaginárias da minha mente. Com meu Tab P na mão olhei para os lados e parti.
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